Apesar de saber que existia uma coisa chamada gordofobia, só me dei conta da dimensão do preconceito na minha vida quando vi uma outra pessoa sofrendo com o preconceito. Parece óbvio, mas foi só naquele momento que entendi que quem sofre gordofobia é vítima de um preconceito e, assim, me entendi nesse lugar também.
Com a gordofobia, sentimos culpa de sermos quem somos e nos punimos das mais diversas formas, seja com dietas absurdas, procedimentos cirúrgicos invasivos ou até mesmo o auto ódio alimentado por nosso corpo. Tudo para tentar compensar essa característica tão condenada, que é a de ser gorda.
Mas entender que eu estava sendo vítima, muitas vezes de minhas próprias atitudes em relação ao meu corpo, foi um divisor de águas nessa relação, e a estrutura violenta que se revelou à minha frente me levou à luta que continuo até hoje.
Isso porque foi justamente me entendendo nesse contexto, de mulher gorda, que passei do ódio ao amor a mim, ao meu corpo.
Leia mais: Questão de gênero: a gordofobia é igual para homens e mulheres?
E não, este não é um discurso body positive, mas sim uma reflexão sobre o quanto cedemos ao sistema quando não nos damos conta de que o ódio ao nosso corpo é uma invenção violenta do capital, instrumentalizado patriarcado e operacionalizado por uma série de estruturas socializadoras.
Leia mais: Ter corpo padrão é privilégio de classe
O que a acadêmica aqui não sabia, no entanto, é formação nenhuma paga a sensação de se olhar com carinho pela primeira vez; se ver no espelho e não sentir ódio, tristeza ou repulsa pelo que vê.
Não foi nem amor à primeira vista, é preciso dizer – e nem precisa ser, diga-se de passagem. Para bem da verdade, é um exercício diário, mas só de poder passar os olhos em mim de cima à baixo, sem ter um comentário negativo qualquer a fazer antes de qualquer outra coisa, é revolucionário.
Você entende que é digna da mesma gentileza que despende às pessoas que estão ao seu redor, que aparência alguma justifica qualquer que seja a violação, e que não é a sua forma que define seu caráter, seu conhecimento, sua competência.
Porque quando me entendi gorda sem tentar esconder ou mudar esta característica de mim, eu me reconheci.
Ao mesmo tempo, vai entender também que é por conta desse corpo que você superou todas as dificuldades que lhe foram injustamente impostas ao longo de todo esse tempo em que não gostar de si era a única alternativa conhecida.
Ainda que bonito, é importante dizer que encontrar esse amor requer empenho, porque o preconceito, a gordofobia, não deixa de existir não importa o quanto você se ame. E por isso a luta de quem quer garantir os direitos que são privados às pessoas gordas precisa ser mantida e incentivada. Mas é um modo de, segura de si, engajar na luta de todas.
Até que todas sejamos livres.