O Projeto Mulheres Migrantes do Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC) tem mais de 25 anos de atuação com mulheres migrantes em conflito com a lei em São Paulo. Iniciando seu trabalho com o atendimento a mulheres migrantes dentro das penitenciárias, o Instituto entendeu a necessidade desse suporte também na saída para o regime em meio aberto.
No sistema carcerário
O ambiente carcerário para mulheres, especialmente no Brasil, – fora o estigma carregado por quem responde a um processo judicial –, pode estar perpassado por inúmeras formas de violência, considerando questões de gênero (com ênfase à maternidade), raça, classe social, sexualidade, entre outras. Por isso, o projeto tem seu foco de atendimento a mulheres, sejam elas pessoas cisgênero, transgênero ou não-bináries.
Por que “migrantes”?
A Lei Nº 13.445/2017 estabeleceu a migração como direito inalienável a todos os indivíduos, garantindo à pessoa migrante em território brasileiro a condição de igualdade aos nacionais. Por isso, entendemos a importância da nomenclatura ao designar uma pessoa como migrante, e não como estrangeira, demonstrando assim que independente de sua nacionalidade, a cidadania e direitos devem ser garantidos a todos e todas.
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Por que “em conflito com a lei”?
São pessoas que estão respondendo a um processo criminal, com privação de liberdade ou não. Isso quer dizer que algumas estão dentro de unidades prisionais no momento, mas outras cumprindo suas penas em regime aberto, liberdade condicional, liberdade provisória, prestação de serviços, entre outras medidas punitivas.
Sobreviventes do cárcere
O termo “em conflito com a lei” diz respeito também a pessoas que cumpriram suas penas, porém, temos em vista que a experiência do cárcere pode seguir perpassando suas vidas mesmo depois disso. Todas essas pessoas também são chamadas de sobreviventes do cárcere.
Sendo assim, mulheres – por todas as especificidades e violências que abarcam nossas vidas -; migrantes – porque são cidadãs de direitos em nosso país; e em conflito com a lei – pela vivência e sobrevivência ao cárcere e suas repercussões em meio aberto.
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De onde elas vêm?
No ano de 2022, o Projeto Mulheres Migrantes do ITTC atendeu 232 mulheres migrantes em conflito com a lei de diversas nacionalidades, que cumprem penas em meio aberto . A África do Sul aparece como a principal origem, seguida por Filipinas e Cabo Verde. Contudo, foram atendidas mulheres de todos os continentes, em especial Ásia, América do Sul e África, com serviços de assistência jurídica, regularização migratória, assistência para benefícios sociais, entre outros. Dentre as mulheres encarceradas, a nacionalidade que mais atendemos foi a boliviana, seguida da colombiana e sul-africana.
O Projeto busca a manutenção de vínculos familiares das mulheres privadas de liberdade por meio de cartas. No ano de 2022 foram trocadas 296 cartas entre as mulheres atendidas pelo programa e os familiares que vivem nos países de origem.
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Crimes e perfis
A principal causa do encarceramento de mulheres migrantes no Brasil é o tráfico internacional de drogas, e esse é um contexto que nos leva a pensar também sobre o fenômeno da criminalização das mulheres “mulas”, além da relação entre o tráfico de drogas e o tráfico de pessoas.
No período de 2008 a 2019, 80% das mulheres atendidas pelo projeto eram mães. Além disso, entre 2015 e 2019, 29% delas se autodeclararam como pretas e 27%, pardas. Portando, 56% das mulheres atendidas nesse intervalo eram negras.
Desta forma, buscamos dar visibilidade à realidade das mulheres migrantes em conflito com a lei em São Paulo, compreendendo a existência de inúmeras dinâmicas que perpassam suas vidas, mas não se refletem em números. São vivências que envolvem questões de gênero, raça, origem, entre muitas outras.
*Texto escrito por Débora Vasconcellos, pesquisadora do Projeto Mulheres Migrantes do ITTC