Desde criança eu tenho um sonho. Sempre que me perguntavam o que eu queria ser quando crescesse, eu dizia: quero ser mãe. De quatro filhos, igual a minha mãe. Minha casa sempre foi rodeada de crianças, eu sempre amei bebês. E foi muito bom quando conheci a minha companheira e descobri que ela queria a mesma coisa. Acontece que com o passar do tempo essa convicção foi virando medo, dúvida, insegurança.
Cresci num lar evangélico, ser mãe num relacionamento com outra mulher tem outro peso. Sempre fui muito silenciosa, sabe? Bem reservada e tímida. Sofria calada os preconceitos. Comecei a achar que não tinha mais sentido colocar um filho no mundo para sofrer. Um dia, falei para minha esposa que ela poderia procurar outro relacionamento com quem ela conseguisse viver a maternidade, porque eu tinha desistido. Disse bem isso: não é mais meu sonho. Fora o medo, tinha a questão do dinheiro. Era caro.
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Então, acabei passando num concurso. As condições foram melhorando, a gente foi conseguindo guardar dinheiro e veio a pandemia. Foi nessa época que deu um clique na minha cabeça. Como é que é? Eu tô deixando de viver o que eu sempre quis na minha vida por conta de um medo? Estou me freando por conta dos outros? Tem alguma coisa lá fora alucinando a humanidade e eu aqui presa nesse medinho? Resolvi enfrentar.
Minha esposa sempre teve o sonho de engravidar e já estava com 40 anos. Resolvi dar para ela essa chance, até porque, o fato dela nunca ter desistido da nossa família ajudou a proteger esse sonho em mim. Fizemos o procedimento com os meus óvulos e pediram para a gente esperar por doze dias para saber se tinha dado certo.
Faltavam dois dias para a gente fazer o exame de sangue, quando ela gritou o meu nome no banheiro. Quando cheguei ela tava tremendo, segurando o teste de farmácia. Deu positivo. Ficamos fora do ar de felicidade. A gente sabia que seria bom guardar a notícia nos três primeiros meses, mas não conseguimos.
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Durante a gestação, comecei a fazer planos para amamentar também. Havia um tratamento que me ajudaria nisso, eu só precisava ter a garantia de que a minha licença-maternidade seria respeitada. Mas não foi. Antes mesmo de ele nascer, me disseram que eu teria apenas 20 dias de licença-parental. Se ancoraram nas orientações de um documento do Ministério da Justiça. Minha companheira teria o direito; eu, não. Chorei e sofri muito.
Numa tentativa de encontrar uma saída, me inscrevi em outro concurso público. Pensei: se eu mudar de emprego, de repente, eu consigo. Passei os últimos meses todinhos estudando. Passei na primeira fase, mas não deu certo na segunda. Quando chegou a hora de voltar ao trabalho, foi muito difícil. Perdi o gosto, me sinto ferida. Eles me tiraram violentamente o tempo com a minha filha. Os primeiros seis meses de vida dela, um tempo que não volta. Todos os dias acordo e não consigo entender: sou uma mulher, pagadora de impostos como todas as outras, mas não posso gozar da minha licença-maternidade. Por quê?
Esse depoimento foi concedido anonimamente à repórter Natália Sousa. Acompanhe nas nossas redes sociais mais sobre o assunto.
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